10.3.24

Erva

Os meus olhos gelaram na terra fria, ventou demais onde estivemos, secaram-me os olhos, meu amor, palavras brasas antes agora cinzas.

Que posso fazer por ti, minha alma, que não fizera já? Rosas e rosários desfolhados em teu louvor, roubados arroubos de uma vida cega, onde ainda sangue que cresça erva?

8.1.24

Again

Ando pela vida com ligeireza, com a mesma desatenção com que largo os sapatos do dia, à entrada dos meus pés e again,

Na casa, em casa, numa casa qualquer, entro e depois não sei sair. Dispo-me devagar no soalho, deito a minha pele como cera, e aliso o brilho dos olhos nesse temporal e, olha,

Não me digam, pessoas, olha ali estão elas, again! não as conheço com os seus laços e lenços sem luz,  nem enamoradas afeições e até

Na rua, fecho-me em parêntesis retos como vidros à prova do olhar, para não me captarem a dor dos passeios enlameados e sei

Se entranço o sonho e me ponho a dançar, receio gostar tanto (de ti) again que, depois, não possa parar

Ah, as enamoradas afeições que nos faziam tremer em cada carta! Sou a sombra exata do fim do amor, letras apagadas, destroçadas, sem sabor

14.12.23

Chamas

Estive dentro da chama. Depois fui a própria chama. Ardemos como duas brasas vivas num lume astral.

Agora, estrela arrefecida, já não me chamas. Mas uma palavra tua e, afinal, a minha chama será tua. 

Suavidade

Suavidade. Sinto o conforto, a lisura das emoções, o precalço de tropeçar nos teus olhos, num abraço longo de silenciosa paixão. Suavidade. Como ficamos depois de calçarmos devagar o amor. 

A suavidade que me dás envolve todo o meu ser. 

Se a vida nos venceu, que nos não vença o amor. 

Prometo amar-te à margem do  tempo, se tempo tiver para tanto.


Escalas de tempo

Eram tantos lírios a riscar os céus, quando os meus olhos sentiam os teus

Eram tantas estrelas sibilantes, tanta emoção dentro de cada instante

Foi a noite mais ampla de temp e o amor vibrou de vida em amplas escalas de suave, suavíssimo luar imenso

18.11.23

Planagem

Os poemas planam pelas águas deste rio, são anjos sem cair e falam-me com voz de água, contam-me de ti

As coisas ditas, lavadas, estendidas ao sol, são sinais que deixamos de uma passagem feliz por amor, pés na relva, braços fortes de ser, munidos de um olhar que diz, frugalmente, o que falta dizer

Os poemas planam, sem dono, podem ser ditos por bocas loucas, incertas como nós, mas nunca outros saberão como fomos

Meu amor, deixa-os planar como seja, como for. O céu sideral é o destino das nossas almas, talhadas parar o intenso querer


11.11.23

Atalhos

A vida que escolhemos é a vida que temos. Nunca hesites entre o abismo e o chão atapetado. Atira-te pela amurada mais alta. Chegas inteiro ao outro lado. O tapete que tanto aprecias, com amor, não te faz falta



5.11.23

Voar sem sentido

Escrever é como pousar o olhar entre as aves e imaginar para onde vão. Leva-nos a vontade de dizer, sem saber o quê, tal como elas voam sem saber que intenção o voo tem.

Escrevo assim contida, num exato ritual de quem está viva e se aviva em mais um voo intransitivo.

Escrever é pensar no risco, na marca, no tempo e no verbo existo.

Alguém saberá por que escreve. Eu não percebo nada disso. Sei apenas que me assinalo no mapa dos seres alalados, tão proximamente vivo do teu lado.


Sobressalto

 Quando o dia se abre ao mundo, as aves incertas a fluir, um vento leve calado, buscamos o Sol, no seu imutável lado, e sabemos que rstamos vivos, prontos para viver em sobressalto.

1.11.23

Fumo do tempo

Se te escrevesse uma carta, era capaz de não me chegar todo o papel que já deixei em branco

Se te escrevesse uma carta diria, logo no início, antes que o papel me faltasse, que a poesia é fumo do tempo

Massa gasosa indo por esse céu aberto, para o jardim das rosas, campo raso, onde já não é preciso semear palavras, 

Nessa altura, saberás que o amor puro e decantado floresce em cada flor, na mais pura expressão da ida idade

Se eu te escrevesse uma carta acabá-la-ia com a palavra eterna e muda da poesia que fizemos, mesmo não dizendo nada


25.10.23

Flores lunares

Hoje está Lua cheia, Lua de namorados que se declaram pelo brilho do olhar. Todos os namorados trazem a Lua nos olhos, mesmo que não saibam. Decoram-se com flores lunares, elevam-se ao estado da eterna felicidade.

Mas não sabem, pois não? Não lhes digas, deixa-os prender o dia, colar nos olhos o momento.

Hoje está Lua cheia à chuva e eu lembrei-me de ti. Os dias de outubro trazem um halo de vapor perfumado, como se o encanto fosse e tivesse sido sempre assim. Desejo na bruma, névoa de desejo e a luz do encanto.

Não lhes digas, eles não sabem que um simples ponto no tempo pode cristalizar as suas vidas para sempre.


23.10.23

A água suja do mundo

A chuva rooeu os dias e os dias roeram as pedras da rua, desanimadamente espalhadas no que foi a pele perfeita das multidões 

Tal como o mundo roeu por dentro a alegria dos homens, deixando nos nossos olhos o ruído lento da chuva, nós também fomos corroídos pela água ácida do mundo

Eu sei que tu permaneces no limbo das coisas, sei-o, porque está escrito na orla da atmosfera, para lá de todas as cores que resistem

Sabê-lo é suave, é como beber águas limpas, é quase sentir que há algo na razão da vida que no-la devolve com gosto

Ultimamente não acredito muito em nada, nem sequer na candura das pombas, 

Tudo me demonstra a inútil reserva do tempo 


E, sem ti, sofro a minha insuportável presença inutilmente

10.10.23

Tanto

Tanto, tanto a dizer, com lareira ou lenha fria, mosaico ou lambrim, tanto, tanto  tanto sorriso quente, tanta ternura a aquecer

Penso na inclinação do corpo e é como sentar na tua a solidão que é minha e sempre balanço só

Quero ser o cadeirão e a noite, ouvir o crepitar do teu lume, soprar as cinzas do coração e talvez, talvez, adormecer com o sopro suavíssimo da tua voz


dessa noite que balanças, 

Ouço danço dentro

Não ainda, nem sempre, por vezes vejo, ouço, danço dentro

Se te vejo, amo o teu rosto como um pôr de sol de tinta fresca

Nem ainda fui nem já irei, agora que nada espero, vou e ficarei

Nos teus olhos, tinta fresca, a estrada escura, este caminho cumprido sem fé até ao fim

5.10.23

Delicate

You are so kind as a dafudill growing against harvest

You are delicate, as you pass your hands in the emptiness

And feel like me, how roses and words our hearts fill of happiness

3.10.23

Ainda

Ainda sei o nome das coisas pela ordem que as punha. Era o amor apunhalado de paixão, um passo inseguro num piso de sangue às vezes luz, prestes a ser e a eclodir, talvez nos olhos, talvez nas mãos, talvez o toque da vista, o avistamento do astro que nos atrai, era tudo tão possível que doía a dor e vibrava no seu marasmo a terra.

Foi tudo tão perto e tão possível, que ainda nomeio as palavras pela ordem que as punha. E quando os olhos se encontram, vivo anos-luz de suspensão.

Essa é a memória do que se fez memória por não poder ser.

17.9.23

So much

So sweet the words, signs of lost, signs of light

So small the time we share around

Your lips please me softly, in its liquid light

So much harmony in the distant whisper 

Too much wind to the fragile leafs 

Such a fine ryme to the painful words

Your wind regard touched me, like sweet rain, coming again and again



8.9.23

Em busca da inocência

A noite é o pesadelo dos pobres, a carga da existência adulta, pejada de variáveis incertas. Com que sonhamos?

Eu ontem fui de medo em medo, com o frio às costas, entre rostos sem rosto, febre e fumo, fadiga e exaltação.

Sonhos brancos, lírios de inocência, coisas que antes sonhei, onde estarão?

Sonham flores e odores a criança, o garoto, o ser apaixonado, as sereias e tágides que houver. 

Mas nós, espíritos errantes, filhos da solidão, onde buscaremos a essência dos sonhos brancos de então?


Outono ido

Quando menos esperamos, encontramos o amor ao correr da pena, na calçada de uma rua sem saída.

Devias passar mais vezes nessa rua, onde ainda se ouvem os mesmos risos, os pássaros do costume, as beatas preenchidas de vazio.

Se atentares bem, haverá rajadas de um vento vadio, é o nosso amor no rodopio das folhas do outono ido.

5.9.23

Débito

Rasgamos as dívidas com a mão cansada, uma a uma abatemos as parcelas do que devemos. Como nas vindimas, colhemos, pisamos, deixamos fermentar o amor. Pagamos o passado em suaves débitos da narrativa pessoal.

Esquecemos, meu amor, o atrevimento de ousar e usamos agora estas roupas feridas pelo tempo. Ah, e o temporal, a chuva e o silêncio também os temos de pagar por tanto uso existencial.

E estas palavras agora precavidas já foram de musselina e de organza. Palavras de noivar, palavras de arremesso contra a podridão do mundo.

Hoje debitamos no sangue o que não pudemos encontrar e o mundo nem sequer ficou melhor.

30.8.23

Realidade alternativa

Quando sonhas com o que desejas, acordas com um delicioso sabor a realidade e achas que aconteceu

Neste sonho havia gente e barulho, muita confusão

Mas a coberto do vento vieste para perto de mim, sem falar

Ficaste, olhaste, olhei-te. Havia mais gente. Inexplicável sensação de proximidade discreta. Uma carícia breve no meu rosto, seguida de um roçar secreto dos lábios no meu ouvido. O sol ardente. Seria segredo? 

A luz do dia caiu crua no lençol. Acordei nesse momento para um outro real, sem saber em qual deles a verdade existe


28.8.23

Blues

Os blues fazem-me chorar, como a melancia gelada ou o corte da cebola, não sei que matéria sensorial traz essa música, se é o ouvido, o coração ou a vida

Mas se quero sentir, sinto e digo, agora vou sofrer e chorar e ouço Georgia on my mind ou algo de Chris Bell

Fuga para o passado, fuga em frente, fuga para o sempre, é fuga, claramente

Mas eu só quero fugir para o momento que passa agora e me toca suavemente 

A música e a saudade, tudo

 que resta a quem descobre que já nada sente, mas que não desiste de querer sentir


 encontro o nuncaquem quer cortar cebolas 

27.8.23

Entre montanhas

Entre montanhas planeio voos e plano sobretudo o lugar da ilha

A vida existe mesmo que a não queira. Mesmo que a chame e a submeta aos pés do meu ser

Caravanas me levam sob as estrelas, em desertos nus de maravilha

Insisto na travessia. É o caminho de nenhum regresso

Saberás que te quero vizinho dos meus olhos, mas tudo é tão vago, tão impossível de ser

Há um ritual contra o sangue por que anseio, a anulação do tempo comesinho, do tempo rasteiro

Mas, como fazê-lo?


24.8.23

Quase inaudível

Balbucio flores e estames, estimo estimar o tempo até colidir com os teus olhos, a tua boca a moldar a voz, enquanto 

balbucio as cores puras do céu, para teu deleite

Se ainda enlaças dores e prazeres 

Eu também teço as laçadas do tempo, para te achar

Balbucio palavras de lume  distintas, com a clareza das águas do açude

Enquanto o tempo risca nos meus olhos mais uma finíssima faísca de amor

Depois de te encontrar, que nada mais mude o que nunca pôde ser


17.8.23

Sonhos simples

Sonhos que envergamos  belos, ledos, fortes como fardos, sóbrios pela farda de viver

Simples, pela infusão de elevadas doses de amor, à vida, ao recinto natural das coisas

Sou uma abelha e bebo o licor de rosas, hibisco e  jasmim

Um pardal louco que afina o som nas cordas do sol

Uma cigarra acesa por ser verão

Gosto de sonhar coisas pequenas, ser um girassol apenas, seguindo, veemente, a ronda diária do sol

25.7.23

Guardanapo

Dobrei a poesia como um guardanapo antigo com nódoas fatais de lábios e vinhos diletos, aquela poesia que se serve a frio com gelo e fogo nos dedos.

O que acontece se servir à mesa o mesmo guardanapo, sem que nada se lhe tenha acrescentado de bom?

A poesia tem destes rasgões no peito, sendo insizível a metáfora do cansaço. O que se sentou à minha mesa.

Mas pus-me a pensar que gosto de vinho e de manchar guardanapos com baton. Por isso, arranjas-me um guardanapo novo, uma razão nova, um dia soalheiro, uma noite em que o sono esteja ancorado, como um anjo à tua porta?

Talvez se eu limpar docemente a tua fronte, a tua ferida, com o melhor linho do sudário original, possamos tu sorrir e eu voltar a desdobrar a vida.



12.7.23

A casa

Não sede nem fome, visito a casa pela sombra rente ao soalho, onde a memória não cede

E vejo ainda os firmes passos da ausência, o brilho da cera a refletir os dias passados

No quarto as flores secaram as palavras, dobradas que foram como mantas para o próximo inverno

Corpo serpente, as escadas separam a morte, que da vida, pouca coisa de porcelana ainda

Saberá a casa e ela apenas o que murmura o silêncio de arcos e ecos infinitos, saberá sequer que nos habita?

Como harpas, como farpas, as memórias andam pé ante pé pela casa. E a casa fomos nós, numa outra vida.

22.5.23

People like me

People like me are the perfect prey

For reality

For bad taste

For job

For bad luck

For fate

For spiritual desease

People like me are prey for capitalism

Love is a luxury, people like me never had the chance to get

But we are untitled to feel, nobody can feel the intense feelings we, people, have

Paradise might be on heaven, but feelings are inside us,

For good or worse, that's all that is left


16.5.23

Inalcançar

Escrevo no escuro, escrava deste gesto de escrever para existir, num ponto inalcançável pela luz

A poesia em teia, seduz

A poesia ateia quase sempre o fogo das searas

Eu só sei semear palavras, pequenas falas

Vou inalcançar o lugar único da luz

In-al-can-çar é voar com o vento

Em contraluz

Até cansar, no ar

Até partir

Ir?

13.5.23

Na memória do universo

Há um lugar e um tempo, um ponto assente na memória do universo

Uma vírgula depois, um astro desatento e tudo explode

Tudo muda mais tarde num outro instante, na mesma constelação 

E se reacende novo e diferente

Reticências em suspenso, é assim o amor, quando regressa novamente

Num outro ponto assente na memória dos amantes

Ouves agora o momento?

Um Sol adormecido, uma Lua intensa dizem com pontos de exclamação o que esconderam sempre!


8.5.23

Ecos

E às vezes intercetamos os cabelos com o vento e entrançamos vidas que não tivemos,

É belo o silêncio depois das trevas, ficamos a tecer momentos e memórias, tu mentes, 

Eu creio em ti como nas estrelas, 

E o que nunca foi cresce de repente

Uma narrativa prodigiosa fechará o nosso tempo

Fomos sempre

6.5.23

Entrelaços

As pessoas são como as árvores, quando o vento lhes dá e se tocam, quando o tempo lhes dá e crescem, quando a morte lhes vem e secam.

Quando os ramos se alongam, mas já não crescem, quando a seiva sobe aos lábios e às sementes.

Quando o tempo vem, as árvores amam-se por dentro, entrelaçam-se dentro, reúnem na terra o prazer, cerram os dentes e lançam raízes longas, longamente enternecidas, sem ninguém saber.

4.5.23

Precaridade

Esta precária dor habita o meu profundo sempre, habita agora, no dia seguinte, a simples dor das salas vazias, o eco que rebate e volta e não mente

Esta mão precária solta-se, alta, e toca o céu das bocas secas, onde morrem palavras por decreto

Ou por desistência súbita dos versos e dos sentimentos

Estas palavras por ler e por dizer são esse eco substantivo

O som que rima com amigo

Que rima sem sentido

Que nem sequer rima comigo

1.5.23

tempo

Vês como correm as estações atrás dos dias? Olha o tempo sobre as pedras e repara, já fomos nós o apogeu das madrugadas e a água azul que liberta as almas

Habitávamos longe, onde o pensamento se arma e a luz em lume salva

É perto o peito, longe a fala, num tempo que inconclusamente nos apaga

25.4.23

Serpentes cegas

As horas deslizam serpentes cegas, horas serenas sem história 

Parece que me prendem à terra e me enraízam nas mais soberbas heras

Sinto a névoa sucinta, em minha volta, como pedras, as memórias descem fundas

Nem sequer estendo as mãos, a nada me oponho 

Levam-me, nem sei como, da casa bela dos sonhos

Meu amor, afundo-me, vês, e nem sequer me oponho

Desculpa, não sei como foi que já não tenho sonhos,

Nada se passa, entendes, e eu à tona, respiro, não sei se vivo se morro

Se apenas a poesia me deixou de mão dada com o sonho

21.4.23

Albatros

Comme un albatros à l'ancienne, qui lève ses ailes et tombe plusieurs fois, ainsi mes souffles de vie sont éteints et rarement allumés, helàs.
Phare abandonné, ce que j'ai toujours été, l'intermittence de la vie suggère une ancienne promenade, encore possible, maintenant sur les ailes d'un albatros, fatigué de marcher sur terre, quand Dieu même l'a orné pour la haute mer.


12.4.23

Preciosa

Preciosa a vida, sem preço a falta de pressa, insubstituível silêncio após cada vaga

Tenho no coração o sangue das serpentes, na pele as escarpas mais duras

E rastejo na razão inversa do tempo. Quanto mais ando para a frente, mais volto para trás

Preciso de reduzir o tempo, fazer do relógio o pulsar da paixão

Mas não me ama ninguém no sentido dos ponteiros, nem em qualquer dos sentidos da vida, e assim, não efabulo a imperiosa eternização do  tempo. Fecharei só o ciclo do desejo

Já foi e nunca chegou a ser tarde o que foi cedo.

Preciosa a vida de onde venho, precioso o amor que nutro e não tenho

8.4.23

Again and again

Let me look at you, again and again, and again, 

let me tell you my deep admiration, your male perfection, your shining smile, again and again, let me touch you, eyes in eyes as we sonetimes do

Again and again

Let me dance you in the street, till the way to the moon comes across

You and me, material shadows coming through

Again and again foolish as I feel

Let me love you in the round table of lords, attractive as they were

Like I find you

I like you

You are an enchanted prince, and I don't deserve you

Suspensão

Habito a suspensão do tempo, entre luas mortas e longíquos ventos

o mistério da húmida substância cria raízes no meu peito, sou quase árvore

Cresço na escuridão como a hera ou o eloendro, já não distingo as obras do destino ou os meus erros

Sei que é real o meu sonho e que o meu tempo flui, como água por um despenhadeiro

Podia semear-me profundamente nas altas terras do desejo, ser mulher com cintura de vento, se as raízes não tomaram os meus membros

Para que queremos todos o que queremos? Ser árvore numa falésia frente a um mar inteiro, nada sentir, ter o olhar atento e vivo de um velho faroleiro, é melhor do que ter o insensato sonho aceso

Nas tuas mãos o deponho, sopra-mo para longe, sou árvore não sei se vou ou se venho de viver esse sonho

5.4.23

Aveu

Todos os dias da minha vida buscam o teu sorriso

Gosto tanto do teu rosto, para mim um mapa onde se perdem os teus pensamentos

Amo nos teus olhos as tempestades lunares 

Adoro nos teus lábios a curva em quarto crescente, por vezes quarto minguante

E amo-te assim só e errante, inquieto como a poeira lunar

E bailas, como ela contra o friso do sol

Meu amor, como podemos ficar? E se viesses oculto um dia só beber comigo um pouco de luar?

Morreria nos teus olhos, viverei se te aproximares

2.4.23

Ramo de palmeira

Mostra as palmas das tuas mãos, viradas para cima como fogueiras,

Nelas apago as impossíveis esquinas onde te apeias,

Nas tuas mãos, como palmeiras, a musa bela grita e eu quero ouvir as chamas altas

dos ramos da oliveira,

Quero ouvir as chamas com que as ateias

As palmas das tuas mãos, ledas fogueiras


Le renoncement

Phèdre et Hippolyte, 

Bérénice et Tito, ils sont d'autant qu'on les pense les racines, 

les voiles du renoncement parmi les hommes,

par devoir, par culpabilité, par raison politique, par amour interdit.

Les dieux marquent d'une croix sur les amants sans avenir,

Déception et espoir, illusion et désillusion sont les termes du renoncement, et celui-ci n'est jamais entièrement consommé.

Dedans, la voix déchirée par le vent, dehors la plaie propre, sans coutures. 

Ils aiment l'autre à l'intérieur, à l'infini et meurent sans vraiment s' abandonner, même s'ils sont la proie d'autrui.

Il y aura toujours le besoin du renoncement, mais personne ne peu nous êmpecher de devenir Phèdre ou Bérénice, Hippolyte, Tito, ou le héros individuel d'une petite, personnelle tragédie.

30.3.23

Ensejo

Cereja, sereia seja, o que nos queima é fresco, é a consubstanciação do beijo

Seria sério ensejo, que fosses subita e serenamente meu, como do mar é o ribeiro, como da terra a raíz, como do corpo o desejo

Diz, onde afundas os medos, onde crescem as cerejas que dispersas e me chegas aos lábios secos

Pensa, o que queima em nós é líquida chama de seda leve, lava que lavra no silêncio que se escreve

29.3.23

Atravessar contigo o rio

Atravessar contigo o rio, comove tanto, o passo tonto.

Atravessar contigo o rio, uma pedra, outra pedra, saltas tu, salto eu, aqui dá fundo, ali não dá.

Ao longe o cais, e nós os dois, equilibristas, queda e vazio e arriscamos, perfeito amor, para nada ter. 

Atravessar contigo o rio, comove tanto, o passo tonto.

Se caírmos, o rio é raso, o leito é largo, demora em nós o mundo.

Chegaremos ao cais, e se tu cais, ah, se tu cais, o rio recua para os canaviais. E o rio, o rio é tudo, tu és a pedra eu sou o fundo.


Ciúme

Ciúme vai, ciúme vem, ciúmo-te a miúde, entre a miudinha chuva do desejo 

Enciumo-me miseralvelmente de ti, depois obrigo o ciúme a ceder. 

Já vês como tudo vai e volta outra vez.

27.3.23

Navios

Há tantos navios sempre a partir... em toda a vida fui porto de muitas partidas. Não tive chegadas, apenas, de passagem, muitas aves e alguns anjos me pousaram no rosto. 

25.3.23

Pouco valho, entre a pontuação teimosa do meu rosto. Mas penso em ti  cavaleiro e moço, das minhas noites sonho e dos meus dias repouso.


As manhãs continuaram a existir. Eu é que não compareci à vida.

Imolação

A casa ganhou as vésperas do fim e o frio da fala interrompida. Saíste quando não quiseste entrar, a casa estremeceu no seu alto pé, enquanto o coração batia todas as suas portas e, silenciosos como corças na estepe, ficámos os dois a ruminar o tempo, a definhar no tempo, como uma aranha seca no seu próprio rio estagnado.

A casa acende luz como um farol, por pouco tempo. Todas as vezes que nos iluminamos é numa espécie de imolação nas palavras adjacentes ao vão, agora vazio, da casa de antes.

Recentemente...

Erva

Os meus olhos gelaram na terra fria, ventou demais onde estivemos, secaram-me os olhos, meu amor, palavras brasas antes agora cinzas. Que po...

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