Ele costuma escrever-lhe cartas riscadas como vinil, cartas sem nome, curtas e voláteis, mas ela lia claramente o som da voz, a saudade da voz, a voz no telefone, a carícia, em tempos idos, da voz subitamente suave no meio do inverno, a intimidade do riso, o riso ao telefone e o suspiro da chuva no outro lado, algumas pausas de silêncio com sentido.
Um dia a carta não lhe trouxe a chuva, a voz intensa, o inverno ou o silêncio. Quis responder-lhe: não me convides para a tua vida, não quero entrar na tua vida pela porta funcional, por nenhuma porta. Não me escrevas cartas, pega na tua voz e deixa-me ouvi-la. Quero estar sem entrar na tua vida pela porta do teu ouvido e da tua voz, apenas. Não quero deíticos que te nomeiem, nem circunstâncias que te materializem. Por que não podes ser apenas uma voz na minha vida? Eu lanço a carta, tu cortas o baralho como queiras.
Escreveu simplesmente: perdi o teu contacto. Liga-me.
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