Este ofício das palavras empalha-me o sangue. Não sei como há pessoas que ainda acrescentam palavras à sua vida como ervas nos matos. Pesam-me nos ombros como um xaile antigo debruado a lã, estas palavras que são sentidos e são sentidas mas que não erguem nenhuma catedral, não elevam melodias, nem elegem estátuas ao amor.
Tragam-me suavidade e a oferenda simples de uma mão. Antes um cardo do que a insidiosa poesia, a perturbadora água que vai à boca e deixa mais sede.
Este veneno sobe aos sentidos. Idealizamos uma matriz de ordem, perfeição e beleza, quando a realidade é contrária à harmonia dos seres. É bom permanecermos nas aspas de um poema, mas não podemos saltar daí. Sujeito e objeto presos no mar alto dos sentidos do poema, como no tambor da máquina de lavar.
Já não sabemos onde começamos e onde deixamos de ser corpo para sermos sopro ou voz. As palavras colam-se à pele e lavam por dentro a solidão. Mas ainda hoje vi aves em formatura que me pousaram no coração e não houve palavras.
24.8.20
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