23.12.20

Reverso

Os dias desafinam sem gritar, as árvores dissonantes aspiram o segredo do vento e os rios são leitos calvos onde se espelha o outro lado do tempo e nós no reverso dele a passar

Nestes dias parecemos inimigos que se espreitam com intenções estratégias, qual de nós se faz forte e verga, qual de nós se pulveriza primeiro ou escorre sobre si próprio a própria substância.

É fácil recuar para a penumbra do palco onde atuamos todas as noites e ficar a ser o ponto negro no negro fundo do cenário, a ditar o mote do dia, a embrulhar amor em deixas que deixamos flutuar ao som de flautas, arrancadas da alma

O difícil, meu amor, é sair para a plateia de olhos deliberados em busca do toque e do calor, o difícil é saber que a renúncia é o castigo maior, que não merecemos, nem mitigamos ao cumpri-lo

Se me falasses, eu ouvia. Se me olhasses, não desviava a intensa retina. Um passo, um passo no desfiladeiro, ainda é dia, ainda a pele nós reserva saber e sabor, podes cair, podes quebrar, mas se o fizeres terás podido dizer que viveste um dia, um dia só a intensidade deste insano amor


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