"Miragem" - rabiscos meus
és uma imagem recorrente, como quando nos vem uma memória de asfalto e é estio, a estrada deita fumo, toda a visibilidade em frente é curvilínea e o ar é ondulante. vens-me à memória com a mesma rapidez, com a mesma temperatura e exactamente com o mesmo ondear, como nas miragens. e como elas logo desapareces. não porque te enxote, mas porque tive de me conformar ao esquecimento e das mil e tantas maneiras que há de te esquecer, afastar-te ainda é a única que funciona. penso que me riscaste do teu livro da saudade e que em lugar do meu nome há agora um borrão de tinta da China, em forma geométrica. imagino que me arrumaste na tua prateleira ao lado de um livro, como fazes a tudo o que lês e devoras com os sentidos. sonho que estou a sonhar ao teu lado, talvez não apenas contigo, mas com a imagem que fui moldando no barro do deserto, em noites como esta, em que as feras nos quintais uivam à Lua e eu mordo a solidão na cambria das nuvens, soltas e altas, livres, velejando pelo céu. e não há sonho mais obscuro e intrigante, pois que se esfuma com a manhã, com a mesma forma vaga da miragem que eras antes.
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