13.11.10

uma ida às compras no meu bairro mostra a cor dos tempos que vivemos, as casas fechadas, os estendais vazios, as pessoas paradas nas janelas, os olhos sem vida, o café escondido sem vivalma, o dono a olhar pelo vidro, os olhos distantes a contemplarem não a mim, figura fustigada pelo vento, dinheiro contado na carteira, mais um transeunte que não se dirigia para lá, mas o futuro, o homem contemplava, apreensivo, o futuro. algumas mulheres carregavam sacos magros, vindas do supermercado, arrastando as crianças, também elas contidas ante a cinza tristonha do dia. outra mulher levava com o a ajuda do filho pequeno um conjunto de cadeira de plástico e quadro de brincar que se encontrava no lixo. havia também um armário branco que outros já olhavam, com ar apetecido. todas as coisas no meu bairro conhecem  uso, até serem completo desperdício. um dia vi livros que saíam de um caixote virado pelo vento. eram livros bons. só a pressa me impediu de os apanhar, amorosamente,  para as minhas estantes.  quando voltei já tinham ido, nunca saberei para que casa, ou para que contentor,  e se  seriam ou não reciclados, ou lidos. no meu bairro há de tudo. volta e meia morre alguém ou há despejos por incumprimentos e os pertences ficam por ali,  a contar a vida dos seus donos. é triste, o mundo, quando não há justiça, só cobiça e vício, o lvício do lucro cego que para se manter segue cego e instransigente.  é sábado e há uma melancolia  velha entranhada no silêncio. não me recordo quando  quando foi a última vez que senti assim tão funesto o horizonte, choram os meus olhos para dentro a tristeza dos vencidos, dos esquecidos, dos que foram derrubados e tombaram. vou passando e observo o que vejo. passo à loja do chinês vazia, passo ao clube de vídeo que fechou, há poucos meses, onde ainda se nota alguma actualidade nos filmes anunciados nos cartazes, mas já a traça amarela do esquecimento, passo à casa que vendia material de pintura e já faliu, à papelaria que resiste, à farmácia, apinhada de gente e de males, quantos sem mais dor que a de viver um tempo pardacento, e enfim vou dar ao talho, onde o mesmo vazio se faz presente. dou por mim a contar os dinheiros, a mandar pesar e a recusar, a enveredar pelas carnes mais baratas. temo os tempos que virão. e não deve ser só por saber que a vida na urbanização agoniza em segredo, sem que se veja o fundo de cada casa, como se vê o fundo de cada olhar. é porque eu sei que nada do que tenho me pertence, e que a sorte de hoje, o abrigo de agora, pode ser amanhã um lugar amargo, com o frio do abandono a arder por dentro. sei isso porque o meu bairro é um bairro de contribuintes, a pagar casa e a pagar carro. e porque o meu bairro não tem fome, só tem contas pesadas para pagar, e agoniza, agoniza, na obsessão de cumprir até ao fim a dignidade de existir.  e  nada hoje é garantido. vi o medo nas ruas e não foi pela escuridão do dia, nem pelo medo mesquinho e próprio, mas porque senti que estamos a sustentar uma inevitabilidade qualquer e já sem forças, rendidos, rendidos à tristeza que sabemos ser muito menor do que a de outros como nós, que já tiverem sua a dignidade. qual é a fronteira entre o ser gente e subitamente empobrecer, perder uma a uma todas as certezas e ficar com a rua como casa, com o desespero como refeição única, o estigma do abandono ferrado no corpo. qual é a fronteira entre o amanhã que pode não ser nada e o hoje que já é tão pouco?

 

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