enquanto olho as luzes da cidade e sigo o fumo do cigarro, penso nas razões que nos levam a viver como formigas, sôfregos de tempo e de energia, vergados pelo peso invisível do que temos a cumprir. preciso de fumar o ar da cidade lentamente, esquecendo as horas e os prazos, os objectivos individuais e as metas nacionais, as etapas e os processos, as diferenciações e diversificações e o resto e dou por mim a precisar que o mundo me distinga, me diferencie, que se assuma enfim para comigo como se eu fosse única e irrepetível, não apenas o número da segurança social e da caixa de aposentações que tão bem serve para sustentar o velho sistema a derruir. mas isso é outra história. estou farta de cumprir e de, depois de cumprir, ainda prever como vou continuar a cumprir e dar contas a toda a hora do modo como cumpri. parece estranho, mas aposto que é muito mais fácil e barato não cumprir. um dia destes gostava de ser eu, para variar, a usufruir... seja do que for: de uma pensão, de uma baixa, de um louvor, de um reconhecimento, pois é afinal a base da pirâmide dos que cumprem, onde me encontro, que alimenta a fantasia dos que estão acima, bem no topo, e que alimenta a fome dos que ficaram esmagados por baixo, com a derrocada que sofreu este abençoadao povo. estou cansada, deve ser isso. o ar todo desta cidade que desaparece sobre o vapor da noite não me bastaria para tirar uma longa passa e inudar os pulmões de uma qualquer alegria. vou trabalhar. só tenho a noite e por mais que me expanda em lamúrias, amanhã tenho de cumprir o dia. se alguém aqui passar, o que se comprova não ocorrer, de dia para dia, que leve daqui um olhar cúmplice, de esperança nos dias epicuristas que uma vaga de carpe diem nos há-de trazer, mesmo que seja tarde, guardadores de rebanho que havemos de devir, desocupados a desenhar nas nuvens o puro prazer das palavras, sem pensar, sem querer nada, a não ser apenas ser...
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