29.9.19

Do outro lado


Os homens dormem com os sonhos
Entre marés e flores de Março
Vagabundos loucos que marcham
Sob um hemisfério adormecido
Como quem passeia cães alucinados
Presos ao mistério do outro lado

Via látea de dor
Corpos frios de um suor espantado
Passam sombras, às vezes claridade,
Figuras amplas do passado,
Figueiras hirtas, hortas incendiadas,
Às vezes pedra
E uma voz cúbica de onde não sai
Uma só palavra

Os homens sonham com o que perderam
E acham o que não procuraram
Os homens que sonham são ricos e abençoados
Riem de si,
Constrõem muralhas e casebres
Palácios loucos,
Com malmequeres e zebras no telhado

Respiram sob os escombros
O  ar que está soterrado, libertam-se
Das lacunas e buscam narrativas
Noutros lugares

Os homens despertam os cordões dos sapatos.
Dia alto.
Andaram pelo mundo inverso

Acordam com restos de cal na boca
Quando um relógio perverso estende o braço
Na janela adeja ainda o absurdo
E o sonho escapa-se, como xaile esfiapado

Sem o sonho o dia não tinha a mesma luz
Que vem do outro lado. O homem lavrou
Um campo ao contrário,
Foi mineiro e subiu, reinventado

Um homem pendura o sol pela cidade -
Sonhou com o amor e foi amado

Outro deixou uma flor na laje aformecida
De um amor já olvidado.
Sonhamos a suavidade, o atrito,
A água, o lume, o asfalto

Mas na curva maior somos sempre salvos


Sem comentários:

Enviar um comentário

Deixa aqui um lírio

Recentemente...

Ângulos

Escuta Esta noite é mais aguda. Alguns cães ainda ladram à passagem da nossa sombra. Eu estou sentada no eixo duma escuridão sem nome. Tu re...

Mensagens populares neste blogue