24.6.20

Excesso de vento

Em noites como esta alguns poetas adoeceram de amor, por excesso de vento

Outros cortaram os pulsos com navalhas de algodão, farpas de linho com que estancaram a hemoglobina do vento

Em noites assim penduraram ramos ao luar, ou beijaram docemente uma velha foto dobrada nos cantos, comida pelo tempo

Em noites assim, alguns loucos apedrejaram a Lua com palavras duras,
levadas por esse mesmo vento

Em noites assim muitos terão dado os seus corpos sem paixão, alguns namorados poderão ter roubado beijos no vão da escada; bêbedos rasaram o chão com as suntoas asas ébrias e o seu bailado parvo

Em noites assim há gatas com cio e machos engalfinhados. Outros escondem a noite debaixo das mantas e ignoram-na.
Também há quem durma sem dar por nada.

Esses são os que sabem que a imersão só pode ser interior, porque em noites como esta andam labaredas à solta, línguas de vento que enlouquecem os sentidos.

Não procures o que buscas numa noite assim. Saberás o quanto fura o punhal do vento e só a tua sombra serás.

Manhã alta, as ruas voltam a ser sítios bem frequentados onde as pedras dormem ao sol sem inquietação. Só tu  saberás até onde a morte veio e quanto de ti ficou para trás.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Deixa aqui um lírio

Recentemente...

Temos pena

A existência quem disse que se dissolva todos os dias na mesma velha taça dos mesmos dias? Um qualquer existencialista privado do sonho, uma...

Mensagens populares neste blogue