9.7.20

delicatesse coberta de ódio

não chames a poesia em dias assim
há ferro e fogo faíscas sem fim
o meu corpo é uma antena no temporal
açoitada pelo mar mais encrespado
e pelo vento mais temido

recordo um troço da estrada
e uma estrada sem troço aberta para mim
não sei para onde fui, nem qual escolhi.
mas foi nele que me perdi
no troço da estrada que não dá para ti

na troca de troços das estradas e rotas
perdi-me dos outros, tropecei em mim
delicada flor ainda fui antes de engolir
este tosco tojo que trago cá dentro
para me ferir

não chames a poesia a estas inomináveis derrotas
nestes dias do fim, que me levam tudo, tudo o que vivi
só sei que apenas sou matéria exposta e vil
sangue exausto num corpo baço, cansado e ruim

não sei se vale a pena viver, todos os dias neste corpo
alguém te prega na parede como um quadro infeliz
e tu ficas a ornamentar a sombra das aranhas que passam por ti

não é para aqui chamada a poesia. Há dias pesados de passos profundos.
Pegam em ti e tu só sabes ficar encolhido, numa bola, a pensar
que ao nesceres já eras assim.

renego a vida (que não escolhi) pássaro imóvel distante da luz
corpo de luta e de afronta, moinho de esmagar o mal pela raíz

sou assim na desarmonia. tocam instrumentos do avesso
e a minha cabeça é um ninho de vespas  e vulcões

cuspo ervas daninhas e pedras negras de amianto
levo à minha frente uma estrada com sentido único
para a derrota antes mesmo de partir

sou assim quando ouço os passos ermos das florestas
que vivi - e de olhos vazados, nada delas colhi

busco a outra, a de ontem e não a vi . não lhe falta em amor
o que em ódio me sobra a mim.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Deixa aqui um lírio

Recentemente...

Temos pena

A existência quem disse que se dissolva todos os dias na mesma velha taça dos mesmos dias? Um qualquer existencialista privado do sonho, uma...

Mensagens populares neste blogue