8.12.20

Fugar

toda eu estou em suspenso neste quarto liso pelos anos, nesta casa açucarada, e penso, penso tanto e só vejo a fuga para a natureza, não ser eu, ser o silêncio, não ser eu, ser só o vento, espalharem-me pelas nuvens, soltarem-me no nevoeiro, como uma ave, um peixe ou um coelho, afogarem-me no sol, quebrarem-me ao luar, deixarem-me respirar a erva, beber o relento, depois dormir por muito, muito tempo

toda eu sonho com a fuga, nós dois paralelos e indigentes, verdes almas novas, descalças até aos dentes, sombras imprecisas, demoradas e ridentes

toda eu vivo a fuga, a quebra abrupta do tempo, a aragem fugaz do lago, tudo que nos faz livres, fulvos e errantes como animais de sangue quente

sonho com nós dois, Adão e Eva antes da árvore, da serpente e da maçã. Deve haver um paraíso sem horas, sem impostos gestos a prender o pensamento - uma rosa, um ruibardo, uma romã e a tentação, pode ser agosto ou novembro


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