29.10.22

Carta

Hoje lembrei-me de te escrever uma carta. Logo pela manhã as palavras andaram a fazer tolas sinapses do mais puro ridículo. Lembrei-me que o amor não se pode dizer limpo de metáforas, para não ser demasiado sério. Tem de parecer nonchalant como a ponta de um seta envolta em algodão. O amor não se pode dizer seriamente para não parecer uma flecha pungente, um arco demasiado tenso. E eu não tenho pontaria nenhuma.

Mas quero escrever-te uma carta, que não seja daquelas que suavizam mais quem as escreve, do que quem as lê. Não quero também fazer um exercício de estilo ou uma prédica romântica mística. 

Queria ser só comovente e verdadeira. Sentir, sentindo, beijar beijando, dizer dizendo.

Que os teus olhos me apaziguam, que a paz me vem de te saber, que a queda me leva docemente para a restante subida e que a morte é apenas isso, chegar ao cimo, levando no olhar a felicidade havida. 

E pronto, está dito, com todas as palavras interditas, que vivo para te viver cá dentro.

E isso dito, recolho-me numa reentrância de novembro, a desfrutar da paz de termos sido.

Com amor, me assino, oxalá, amén, estejas dentro da mesma paz comigo.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Deixa aqui um lírio

Recentemente...

No rescaldo do tempo

Como estás hoje no teu mundo? Moras a terra justa, drenas o tempo em barro seco, ou enleias memórias num novelo? A que te sabe o dia, um mor...

Mensagens populares neste blogue