Perdemos quase tudo nesta vida, sobretudo o xadrez do tempo, a jogada de mestre que nos faria ganhar. Esgotamos sobretudo os sons da voz. Esgotamos a paciência, a vontade de acreditar, esgotamos a água e até esgotamos as memórias.
Mas de todas estas perdas, a pior é a do sangue. Gelam as veias, gela a paixão, gela a vontade de rasgar os panos do tempo, essa transfusão de amor que fazemos do passado para o presente
Custa-me dizer-te que sou um espécime antigo, habituado a sangrar com abundância. Vejo-me exangue a olhar-te daqui, tu que ainda oxidas o (meu) sangue com a beleza do olhar
Mas digo: esgotámos o ar fresco das árvores, a brisa maior do mar. Esgotámos os encontros e o crédito das estrelas, como quem viveu demais nelas até abraçar este mísero chão
Meu amor, diria eu, qualquer rubor que me vejas mostra que a tua imagem me transfere um capital cheio de graça e isento de dor
Mas o sangue, senhor, ferido que foi o corpo com adagas de solidão, o sangue vegeta, verme lento que busca a terra e nela entra
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