28.3.09



esta é a escrita do dia em que as ilhas voaram e o vento ventejou nas latas da cidade. é uma escrita antiga que já nem tu decifras. vem com a mudança de estação, uma torrente de água de degelo, pronta a desabar sobre os corpos do Inverno. escrevo-te no pico de uma dessas ilhas, escrevo-te a contemplar a imensidão de uma vida frondosa, seiva a descer a encosta para nutrir a serena natureza dos teus olhos. veio este vento pela tarde, gélido vento que o Inverno deixou ficar. e eu pus-me a voar nas tuas ilhas, levada por este vento que ouves palpitar entre as palavras. parece, meu amor, que as nossas tardes se estendem como tapetes de harém, ou searas de geada, tanto o silêncio que nos alça. comunicamos pelas cores, repara como te estendo a meada, azul é o linho que me extravasa. pinta-me apenas o que sentes, não digas mais nada. pobres caracteres que o vento misturou na sua tresloucada dança. já são tantas que, alinhadas, fariam o caminho do teu olhar ao meu, em forma de estrada. é um fio de luz que dissipa a minha vida na senda da tua. e eu venho do tempo em que a possibilidade nos dormia no rosto e a descoberta percorria os nosso poros, vaso a vaso. e hoje ainda se consegue ouvir a minha voz, no núcleo da ilha, numa dessas onde me voas, ou não, sem me pousar. voz da minha alma, argêntea e pura como vinho da primeira videira que plantámos, a tua vida é um lugar que contemplo, para não me perder do que já vivemos. sigo-te, sem te seguir. também nao te faço a oferenda da palavra, pois que ma devolveste intocada, mas faço as libações da noite e as da manhã na água limpa dos teus olhos, como se o mundo fosse ainda lugar para nós. e amo-te na represa das palavras, retendo o ar e a rarefacção da volúpia, quando os sentidos te percorrem e te sonham, próximo e vivo.

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