5.4.09




É Domingo na casa dos subúrbios. O piano eleva-se sonante pela casa, chora por Georgia on my mind, geme o Just the way you are, giza o How Insensitive I must have been, rodopia pela valsa do minuto, Chopin em agonia, desaba-me com o Pour Elise e... demasiado som para tão pobre habitáculo. Um piano feito para salões de tectos trabalhados, havia de gastar os seus últimos dias numa assoalhada de 5 metros quadrados, num bairro remediado na cintura da grande cidade. O meu café esquecido ao lado do ecran. Dou por mim a esquecer tudo, até a emoção das coisas. Imploro o silêncio, mas nada digo. Imagino um lugar onde batessem as ondas em silêncio e nesse lugar apenas a tua voz, que eu ouviria com a dormência que me dão as coisas. Todas. Talvez se produzisse uma sintonização nova com todas as coisas do universo e neles a tua voz se tornasse cristal puro. Sinto que assim seria, porque saber de ti, o que comes, o que aproveitas do teu tempo, o que rejeitas do mundo, ainda é uma coisa que me comove. Consigo ouvir o mundo através dos teus ouvidos. Consigo imaginar o som das violetas e seguir o ciclo das andorinhas, pelo rasar da tua mão no papel. E ouço minuciosamente tudo o que fazes, abraço-te por cada palavra que voa até mim, mesmo que se perca na latitude ocasional da tua escrita. Comove-me que ainda possamos existir, entre tanto tormento que vemos à nossa volta, entre tanta nuvem que nos obscurece a memória, porque a saudade rarefeita é a pior distância que dois corpos podem viver. Não consigo imaginar a tua ausência e estreita é já a orla do enontro. Mas não retires já a mão, deixa-a por aí, onde ficar estará por perto o coração. Talvez a força que me sobra, com o alento que te cresça nos consiga elevar a esperança, como este som magnífico numa selva de surdos, de gente afónica, presa à zon sem sair da zona neutra da sua vida, a rezar para que o carro resista mais uns tempos, o emprego também, e a própria vida... Ficámos assim, colectivamente, prudentes e poupados, descrentes do futuro, agarrados a qualquer coisita que nos evite a queda... reforçados na nossa segurança precária... Queria ir ver o quanto cresceram as árvores, o quanto aguentaram a falta de rega e de cortes, queria visitar a casa onde os últimos anos que passámos se instalaram, nos livros, nas pedras, nos recantos, nas tábuas, no jardim, nos pinhais onde nunca soubeste que existias. Mas também já não acredito que visitar um sítio de memórias, onde só memórias se teceram, possa trazer-me a paz de antes, envolta numa espécie de expectativa, a única, a que sentiria se me soubesse a caminho de ti. Meu amor, agora, nos novos dias do nosso tempo, sinto-me assim. Só a tua voz, só a tua palavra me desperta. O resto... é seguir em frente, pela porta estreita... basta passar, não é preciso crescer...


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