22.3.10

versos sem jeito

meu amor com rosas
meu amor serpente
passos de frondosas folhas
corpo de árvore
rumor de mar e gente

se estamos sós, em mais uma noite
é porque estamos juntos
como sempre; o que houve
e nunca houve

não te encontro na multidão
não és o ardina da avenida
nem o burocrata de fato preto
nem o operário de azul

não te encontro entre paredes
numa sala de estar com o mundo

encontro-te no lugar mais fundo
do pensamento; como um navio que vai passando
e que eu, vendo-o, sem o ver o sigo
da barra ao horizonte

estremeço-te por dentro
enternecidamente te lembro
e te ouço; aos outros
tolero-os, ouves?
Aos que me embargam a voz e o gesto
porque me rasgam o rosto

ninguém me vê
como eu vejo o mundo
ninguém se vê como eu vejo
e eu deixo-os pavonear o riso
enquanto o olhar encontra
o teu reflexo, na razão calada
do meu sorriso

eu e os outros
somos distâncias longas
intransponíveis batalhas

só tu, meu amor, minha água
no limite do horizonte
olho o mundo e o que vejo,
tudo te confunde
preciso que existas, ouves?
ou nego o que vejo
e o que ouço
como se tudo viesse de um lugar
sozinho no meio do medo
e o mundo é louco

1 comentário:

  1. nenhuma voz tem de se desculpar por um poema escrito noutra voz. Pois os versos que cada um canta são escritos na mesma saliva dos dias, na mesma orla solitária do ofício e do mais que se possa ouvir, os silêncios partilham-se na imensidão de quem ouve. Mas agradeço. Reconheço. embora não te saiba a face nem o nome, nada se quebra mas antes se aprende. Não nos livros, mas nas tuas palavras também. Cumprimentos, e continua.

    T.

    ResponderEliminar

Deixa aqui um lírio

Recentemente...

Não consigo viver mais dias. Já são tantos e tão inúteis. Preparo lentamente a minha fuga, a maior de sempre. Será rápida e ninguém dará por...

Mensagens populares neste blogue