às vezes não sei muito bem o que fazer com o amor, dantes era tão fácil transformar o amor em frases e espremer o sangue em poesia, reverter a emoção, sei lá, falar assim dos sentimentos como se fossem água limpa da montanha, claros como cristal, os sentimentos, era logo ao acordar, com a visão do céu, qualquer cor e aspecto do dia me pareciam ouro e dádiva pura de amor e assim o dava a quem o queria dar. às vezes até parece que as veias secaram, ou que se formou assim um coágulo junto ao coração e nada passa, nem a fala se produz, nem a palavra se arma no peito. não sei o que fazer com o amor, o amor nas axilas, o amor nos eixos dos gestos, o amor na postura, no rasgão dos olhos, o amor que me implode perante a impávida serenidade dos dias, de tão calmos e limpos, os dias, sem atritos, lembrando um céu de anjos brancos, imateriais, silenciosos, perante a minha marcha no tempo. anónima. um chão de palha triste, calcetado de chuva recente, humidade lenta a escorrer pela fachada dos prédios, tudo tão branco, na bruma da noite, que eu penso, ao abrir a janela, que me aproximei das altas montanhas onde se produz a felicidade eterna e esqueço-me que por baixo, toda a vida é miúda, desconhecida, talvez triste, urbana, sem heroísmo, nem glória humana.
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