25.5.10

estórias brevíssimas


Imagem minha: "Estórias"


leda e leve a noite se alevanta e pousa lenta a Lua e o luar na levíssima luz desta saudade; outra que fosse a noite e o vendaval e eu diria da estória antiga, tão antiga como o sal, diria que sonhei com a sensação de ter estado a sonhar. e ao dizê-lo era como se voltasse atrás  e a noite  me vestisse de outra alma. lembrar a última vez que fui. ou que não fiquei. ou a última vez em que não houve sequer última vez. porque nada foi. fosse o vendaval presente, num uluar feroz, fosse a Lua levada como um fruto oco e ficasse tudo de repente recolhido, não importava, nada me surpreenderia. nem mesmo se um dia nas minhas mãos houver de caber um rio, um rio de rosas que seja, eu sequer me espantarei.  mas à conta de nada nos surpreender na ordem do universo, (porque olhamos para  onde só  a morte nos aguarda), descobrimos a solidão sideral, a mais silenciosa e serena de todas as constelações. houvesse em outras noites um amor  a descoberto, ou terminado, ou uma chama que viva se tornasse , ou um lugar feliz daqueles onde não estamos, uma ferida em pus, um velho cego, um cão vadio, talvez se pudesse dar um choque cósmico entre dois corpos. no meio do vazio. e se toda a estrutura dos céus se  perturbasse, seria um sinal de que o acaso  nos ouve e nos junta em laços ocasionais, não a alguém, mas a um bocado de nós que não desistiu de buscar no universo misterioso a face igual . talvez não.  mais tarde ou mais cedo descobrimos que Deus é um cantinho assustado dentro do nosso peito, um velho aterrorizado pelo estado de morte que é ter tantos anos e nunca morrer. 
cansaço é o que a noite em si nos diz. ninguém nos fala, para lá das estrelas; nem as estrelas nos falam, na sua acesa apatia. e é nessas noites pavorosas, em que tudo é rude e ruidoso, em que até as nuvens fraquejam e se expandem em silenciosos brancos vestidos, que reconhecemos a solidão de cada ser, atado ao pensamento. é um molho de palavras, o agora, as horas, o tempo, os objectos pelo caminho... Já não se fazem navios, nem as naus partem, nem as naus chegam para varar o mundo e eu partia, mesmo numa noite sem fenómenos, com apenas uma abóboda negra no céu por companhia,  eu teria ido, a montante de qualquer rio, antes de o esquecimento nos caminhar, face a nós mesmos e face à forma impassível do mundo. quase já não há noites que me sirvam. até as estórias se confundem com a premonição de sonhos, quando todos tão vivos.


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