1.3.11

roubada ao sono que quase me adoçou o leito rcebi intacta a carta dobrada num canto sim, noutro canto talvez, pela estranheza de tudo que move duas águas antigas com uma foz tão distinta, mas com um curso igual. é isso que somos. quem nos criou, se não nós mesmos, ou algo dentro de nós, esqueceu a confluência física, mas priviligeou a verticalidade. juntos, sempre, lado a lado em leitos paralelos, como duas linhas que nem no infinito se encontrarão. e isso dá-nos uma visão estranhamente mais real do amor e da sua duração. faz-se o amor em brechas do tempo, pequenos acidentes do leito que levam as águas a galgar-se em brevíssimos confrontos. estamos a viver um desses momentos. a tua carta alcançou-me, no momento em que a escreveste e a minha produz-se no momento em que a esperas. é o limite que a nossa (in)existência nos permite ultrapassar. rapidamente as águas nos galgam e se recolhem, fechado que foi o parêntesis e a ranhura da fechadura por onde nos espreitamos. no tempo seguinte, todo ele, somos como  águas evaporadas que se juntam em algum centímetro da massa cerebral, uma mistura de paisagens descritas, trocadas, entrevistas, adivinhadas, adoçadas pela voz que não se sabe de onde vem. conheces-me. eu conheço-te em pequenas pregas de voz que já antes ouvi. não me custa recuperar-te do passado que nos ruiu. é essa a fonte primeira, onde a água nunca se esgotou. não sei de onde te vem o sol, nem se o teu poente tem a mesma inclinação que o meu, mas basta-me saber que me ouves, e me queres de alguma forma presente na parte mais íntima da tua noite, para te dedicar a mais fina face da minha atenção - diz-se talvez amor este aguçar do ouvido e dos olhos com o coração sempre por perto.  e se a tua vida é essa parte mais íntima de ti e ma doaste, então já me deste da tua vida a melhor flor, embora não me tenhas dado, como eu não dei, o oxigénio em redor, a luz crua que nos envelhece, o sabor do suor em que te banhas quando não podes sonhar, mas apenas produzir. e é durante o curso que me atravessam os sentidos as águas de ti.  e a última carta, de tão bela, é sempre como se fosse a primeira. fica a vontade de cruzar (tanto) mais.  tanta água.

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