28.10.19

vida e morte

não sei como diga à morte para sair do quadro que pintas com as cores do inverno

não existe lugar nesse quadro, onde o teu corpo repousa,  para a mortalha que te vem aos lábios

vives dentro de mim na exaltação do meu sangue e portanto onde há vida não pode haver também morte

pode envelhecer o tronco, a casca, os dedos, mas o sangue não. jovem é o amor que nunca se esgotou, como o sangue que nunca se esgotou é jovem enquanto o fizer pulsar o coração

amo-te como amo a tua morte, diz o poeta louco.  Não o ouças. Ama antes a vida intocada, ama toda a impossiblidade possível, aquela que anuncia de madrugada a cotovia

ama alguém que não tema o escuro despejo do corpo - é um mergulho suave no sono e nem sequer sabes se sonhas

e eu, saberei que me esperarás no teu quadro, frente ao cavalete vazio que enche a tua vida. mas agora quero viver como os pássaros que são álacres e descuidados de todo o perigo

os pássaros só morrem uma vez na vida
para que havemos nós de morrer todos os dias?




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