Moria, em Lesbos, 8 de setembro de 2020
O fogo apareceu em qualquer lado e tomou conta do campo obsceno de 12 mil almas pobres que vieram do oceano. São pessoas, não são trapos.
Ninguém pode quebrar a linha para dar a mão aos refugiados. São os que passaram o inferno por qualquer forma de decência. E chegaram.
Mas só tiveram um campo de tendas, um escuro el dourado. Sem oferendas.
Na televisão dizem que é um caso de saúde pública. A purificação pelo fogo.
Arrasou os abrigos apertados.
Veio caladamente na noite escura dos refugiados. Lixo de mais, pessoas demais, fome demais.
E as crianças não sabem que são refugiadas e que ninguém as quer. Sabem apenas ser crianças.
Não houve pedra que ficasse, a não ser na garganta dos refugiados.
As crianças pensam que a fome é uma porta fechada.
Apenas aquelas chamas a lamber os precários refúgios dos refugiados.
E as crianças de olhos grandes, belos, esbugalhados para o fogo. Purificadas.
Fuga na noite, pés descalços como são os pés de alguns refugiados na noite das chamas.
Lá fora os protestos dos velhos gregos do passado. A população fechada em casa. Quem dá a mão a um homem desesperado?
Ficaram refugiados do refúgio que ardeu, eles que já eram refugiados do mundo desigual que os acolheu.
Mas são homens, senhor, vieram das guerras que não provocaram.
Desagregação, miséria e a promiscuidade dos vírus que nem o fogo mata. E são nossos irmãos, senhor.
Nunca foram abraçados. Choro as suas lágrimas. O mundo é uma balsa com lugares reservados.
E a vergonha de Moria aos ombros dos velhos gregos do passado.
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