
heras muram a entrada e eu no encalço da porta. tacteio os grãos secos que o cimento formou na parede, havíamos de ter caíado a casa quando te disse, agora ficará para sempre cinzenta e rústica como um bunker abandonado às silvas, tal como o tempo a vir ficará também cinzento e rústico, o tempo que vedou a nossa boca para sempre. repara como entramos sem sair da fala autista que lembra a voz das águas, um rumor interno, marulho ácido vindo das vésperas de um qualquer inferno onde ficou confiscado o gesto arrepiado à revelia do corpo. a porta, tacteio a porta por onde o mundo se escoava e o amor nos tomava pelas telhas quando a tarde ou a noite nos vinham pulsar no soalho. sempre as minhas mãos irrequietas no teu corpo, sempre o meu riso a emoldurar a sombra, sempre o teu olhar profundo a dourar a escuridão e as tuas mãos, as tuas mãos a patrulhar-me o corpo, sem a fala te suspeitar, como um demente ou um louco. sempre o que foi pouco, porque foi o produto delirante de uma inversão do lugar do presente. mover tudo para o deserto, sempre te disse que o nosso tempo não é da cidade, mudámos a casa e o tempo para o deserto. recordo o chá que, lúbrico, te servia nas tardes de Inverno quando o tempo era tão curto e a noite nos despenhava mais cedo na penumbra exausta. vinha cedo o vento e a tempestade a coberto dos corpos secos nas dunas despidas, éramos o abrigo que se abriga e agora as heras não mentem, mesmo no jardim os muros adquiriram osgas e salitre, secaram calcinados os caixilhos das janelas, e as heras que nos íamos enlançando pelas mãos... essas, o seu crescimento atesta o tempo que ainda foi ontem, e foi muito, mas nos cresceu depressa para tão longe... inventariámos o tempo dos cronistas, o laborioso momento das vestes vivas a descer no corpo, o trémulo minuto da vinha cortada em seiva nos pulsos, a entrega líquida do mosto enfim o tempo do corpo. e eu hoje sei que todo o tempo é pulsação e propósito. uma cadeira vazia junto à porta e eu fico no sopro a sentir o fumo antigo dos casais, um fragmento, uma nuvem de pó, se nem a porta me guarda uma fresta para o amor e se tu já buscas anelante a casa iluminada que te tomará o pulso e dirá. sou o teu próximo amor. e eu saberei que fui esquecida de cada vez que ruir um pouco mais das paredes que eram para sempre mas se agastaram com a falta de cal.
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