meu amor, perdoa-me a ausência de letras, sou como uma azenha, já lancinate e trémula, mas movedora de águas e de pedras e não páro, não descanso nos meus dias, não faço a pausa, a suspensão que te tenho prometida. Rugem ainda as águas de Janeiro, e mil já foram por estes lados. Ventos vieram fustigados já por outros, amoinando as ondas e os barcos, as pessoas na perdição da paciência e da sanidade, tanto mais que nevoiero tem havido a juzante e a montante, no cume e no sopé dos prédios urbanos, sitos a eito das elevações. Eis, pois que te me reservo, querido, depois de um dia sem ti, sem te amansar no meu seio, sem te minorar o frio e a fragilidade que te pões postiça, porque és assim, gostas de ser ainda pequenino e eu amo-te assim com um bocadinho de tudo, de protecção, de desafio, de provocação, de contradição, de ternura, de carinho, de paixão, de nostalgia e de idulgência, mas também ciúme. Não vem ao caso agora a palavra que fecha a lista, a impronunciável palavra que há muito já não me estilhaça por dentro, porque se calhar me convém a bruma e a cegueira feliz daquele que não sabe, e sabe que é mais feliz não sabendo. .. Vem ao caso o mote da carta que é dizer-te das saudades que me vêm laborando por dentro uma lacuna, quase caverna de hiatos e ecos, onde me sento só na penumbra e no silêncio, a braços com a vontade de te ter bem agrrado a mim, corpo perfeito, pele conjunta, beijo no beijo, ombro consolado na infinita pasmaceira e prazenteira do amor. Querido, agora sei que já não vou gostar de mais ninguém no resto dos meus dias. O amor vestiu o mistério insolúvel da tua voz, a música da tua poesia, a gradação da tua tela, a tua loucura múltipla, o teu sossego, a tua comtemplação da vida e do mundo, a tua música, o teu repouso.
E assim só tu me terás tua, e se alguém houver de me ter, mais do que tu já me tens, continuarás a ser tu quem mais me tem, pois não saberei reconhecer a felicidade que sei só da macia festa do teu rosto, da suavidade do teu indómitos revestimento quentinho que sonho com volúpia e veneno. Horas de sofrimento, meu amor, quando o vácuo me é devolvido, sem que me encha de ti algo que te advenha. O meu corpo inútil e vazio, mas o sangue tão quente, tão laço de ti. Vai esta carta longa e pueril travar com a tua determinação não sei que espécie de batalha, talvez a de Hepaminondas, perdida logo que traçada pela vontade dos deuses e dos homens, os quais traduzem aqueles últimos consonte e conforme conveniência. Meu querido, sem te pedir que mudes os trilhos que já não poderemos (podemos?) talvez mudar, eu venho com esta carta resguardar-te o meu tempo, na próxima missão em que o tempo me deixar mais de seu. E assim, ficarei deitada a sonhar-te, como sonhei a dormir uma noite destas, enquanto te contorcias no devasso da tempestade. Para mim o mar era quente e o ar era ternura, só porque tu vinhas abraçar-me a todo o instante. Porque era o que, estando juntos, se nos impunha... um gesto preciso e conjuntivo que os olhos anunciavam em rápidos lampejos, tão nossos, meu amor, tão fundos. E com esses olhares, se mais não me trouxer de ti o mundo, eu vou conhecendo e exlatando tudo o que poderia ter sido. E este é um dos melhores sonhos da minha vida.
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