as minhas mãos não se põem frescas e delicadas
pousadas sobre o colo, como fazem as madonas de Rafael
nos tectos dos palácios e nas igrejas
as minhas mãos percorrem todos os teclados onde
se produz o mundo que me espera, lugares do meu tempo
onde ato e desato os meus laços e me desprendo
percorrem quilómetros, as minhas mãos, presas num volante
e o pensamento a prumo; visito-me menina e leio-me
nos cadernos que escrevia com as mesmas mãos que agora
já são secas rosas de fadiga
ergo da tumba a minha mãe, árvore tombada,
com umas mãos iguais às minhas, que abriram
todas as portas de todas as muralhas em todas as
eras da sua vida inteira
as suas mãos ainda moldam esferas entre as sombras.
as minhas mãos só varrem a humidade e os despojos,
só fazem prodígios na superfície velha dos objectos,
sem luvas, sem protecção, não, não há milagres
na firmeza das minhas mãos
curam a tristeza e afagam a miséria, mas ficam
secas e tristes, tão sérias...
as minhas mãos cozem artérias, invertem teoremas
e cospem as certezas, as minhas mãos são aventureiras
e persistem, onde o tempo deixou barreiras.
só não se pousam no regaço plácidas, pálidas e etéreas
como as das donzelas de antes sob a sombra das figueiras
.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Recentemente...
Drawing a portrait
I've been drawing a portrait It should be your portrait But everybody seems to see Someone else Maybe you are not you Or my portrait is...
Mensagens populares neste blogue
-
Ele costuma escrever-lhe cartas riscadas como vinil, cartas sem nome, curtas e voláteis, mas ela lia claramente o som da voz, a saudade da...
-
Entre montanhas planeio voos e plano sobretudo o lugar da ilha A vida existe mesmo que a não queira. Mesmo que a chame e a submeta aos pés d...
-
A idade é um percalço programado. Nas pedras é musgo e pó. No corpo é uma delicadeza de cetim amarrotado. Nesse pano acetinado a idade não s...
Sem comentários:
Enviar um comentário
Deixa aqui um lírio