18.2.11

ponho as minhas mãos em chá de nespereira e entrelaço os dedos, suavemente, como quem se afaga
distraidamente. tenho os sentidos num lugar distante, uma floresta, ou um barco, os olhos não são meus, e as mãos que uso tremem entre dentes. purifico-as com água de rosas e seco-as em linho branco, um pano antigo que guarda ainda a pureza dos velhos tempos e quando fecho os olhos é para me embriagar de mar e de amoras e silvos de pássaros nos pinhais e assim permaneço no fundo de mim mesma, a decifrar o mar, a sentir o pulsar das rochas e a juntar a tudo o murmúrio das árvores,
quando conversam com o vento em suas sedutoras vozes. penso na tua fronte e sinto as minhas mãos prontas, será apenas um traçado leve na tua pele, um sulco invisível, em forma de círculo persistente,
um pouco de ternura, e o odor da vida nas rosas que sentes. ouvirás então o fascínio da natureza,
em faixas de música sobreposta, camada a camada ficam o encantatório silêncio das sereias e dos deuses. dir-te-ão o que eu não sei ou temo dizer: a estranheza das fragas, a fuga dos animais, as profundezas dos mares, as cavernas frias, a inóspita habitação das árvores sob a chuva, mas também
te dirão de mim a devoção e o lugar quente que me habitas, a inquietação e a paz no coração das serras e dos abismos, onde quer que seja noite, e o espaço que se fecha em ventre e em poesia, nos hemisférios do sonho que é real e existe, numa espécie de nuvem que me leva e traz de ti para mim, no sono e na tempestade e até no que não digo e a tua voz me implode, secretamente, por dentro 
ao dealbar das horas mortas, quando a cidade se fecha e só nós, só nós, nos contemplamos, nus, despidos, de frente.

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