Pus umas estrelas no teto. Brilham no escuro da minha insónia, assim tenho uma contagem permanente em vez do pânico da clausura. Assim, vejo-me nelas, liberta num universo aveludado, assim, entro nelas, como numa piscina astral, assim, causo-me o favor dos céus, sou livre, sou mulher, há piores condições neste mundo de meritocracias, neste caos divino da desordem, no arremesso volátil dos dejetos sociais urbanos. Tudo regurgita a verdade do que somos, como merecemos viver e morrer. E eu tenho o mérito maior de ficar a ver. Poupada pela faca que rasa perto, não posso afundar-me nas estrelas. Estamos todos a enlouquecer, mas eu nem sequer estou na cave, no saguão, no hospital, nem sequer tenho a morte sentada aos pés da cama, posso empoderar-me cinco vezes ao dia, mas, Senhor, porque me afundo à noite, porque me abate o domingo, porque conto as janelas do prédio em frente, porque definha a raíz em terra farta?
Não sabemos a natureza morta das coisas, apesar da sua orgânica face.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Deixa aqui um lírio