7.12.22

À beira da chuva

A chuva desaguou com fúria e fogo, nesta noite de dezembro tão intensa. Esta cadência inquieta dos elementos não nos acende o coração, nem nos suaviza a pele, não é a chuva que queremos.

Com o tempo, até a chuva bela de então nos abandona, crianças inseguras na corrente, o berço abalado pelas águas hoje descontentes.

Eu ainda cultivo a chuva no canto do teu peito, cancelo tudo para te respirar devagar, entre cada pingo de chuva.

Quando a tempestade cede, a suavidade suspende a inquietude. 

É tudo que desejo hoje. Que a chuva se humanize e os deuses se retirem da peleja.

Que tu repartas comigo a chuva miudinha, a sonolência do inverno, os sobressaltos todos desta noite tua e minha. 

À beira da chuva a tua presença é mais fina, mais acutilante o prazer. Respiramos um silêncio bíblico e é aí, no coração da chuva, que se enrola o longo novelo das nossas vidas enredadas, na mesma paz, no mesmo medo, na mesma chuva.

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