26.2.09

dos silêncios erguidos e palavras derramadas

digo-te que me assusta sempre muito a tua palavra recolhida. moram em mim gerações de mulheres inseguras, para quem o amor nunca foi um fim, mas o princípio de tudo. falo do amor que só conheceram no calor do próprio peito, que souberam dar, falo do amor que souberam erguer dos cuidados da vida, não do amor que se vive nos sentidos, pela mão exímia de um amante. esse vivemo-lo por entro, como um escopo, que ora dói, ora nos liberta. desconfiamos das intenções do amor, questionamos que lá esteja, onde até poderá efectivamente ter estado. aresta que nos fere, forjamos o silêncio, ou abrimos a comporta para o preencher. as mulheres que me habitam são inconstantes e fiéis, mas reactivas. e, como não me habituei ainda a gerir os espaços por preencher com a nitidez da tua voz, encho-os eu com a minha.
claro que são ciciadas as palavras que me afluem à boca. e há um fluxo de pudor nos seus contornos. se queres saber, ruborizo-as por dentro, antes de as entoar na murmuração do amor. tudo que vai de mim para ti é contido, medido e extravasado, como uma inesperada maré de vento. e eu queria dizer-te que as palavras inventam nervuras na pele, doçuras indizíveis que não chegam a reproduzir voz. mas eu sei que tu as ouves. seixos a roçar o leito onde se detém a foz. e sei que te beijam levemente o peito e a pele como se pétalas fossem envoltas em mel...
meu amor, tudo é tão frágil e firme na nossa mão, até os intervalos entre os sons, a própria coda e rima de cada verso são entidades de sentido, na sua plausível propagação da intenção de suavizar os sentidos. as letras são anagramas perfeitos se os soubermos combinar com o que sentimos e sabemos necessário dizer. quero que nos anuncies renovados na renovação do nosso íntimo ser, porque nem sempre sei vigorar nas palavras a urgência de te ter. mas sei receber o que houver de vir, como um halo de luz e de ilusão, perfeitos na ternura de tanto te querer. fala-me desta noite e dos seus profundos mares, inverte-te em meu olhar, acede por este cais ao lugar de desejo erguido e pensa-me na contenção das palavras que se infiltram na tua pele, como se não quisessem dizer, mas produzir arrepio e dulcíssimo mel.



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