5.8.10

as coisas vivas e estivais

a terra arrefece nas mãos da noite. como uma carícia discreta os ramos das árvores baldeiam-se na brisa.  foi o dia todo o vento suão, um vento que vem soprar no fundo do coração e arrasta tudo no seu curso, até os olhos, que ficam focalizados nos remoinhos secos. foi o dia todo a nostalgia do pleno Verão, a vastíssima lâmina de céu, sem uma só nuvem, os milhafres a picarem cada vez mais perto, a perseguir presas que nos são invisíveis, mais adiante, na serra, o estalido das árvores ao sol, o restolho seco, a aridez da palha que sobrou do viço. palpitaram múltiplas cigarras, arrecadam-se agora as últimas no seu silêncio progressivo, os grilos avançam, agora é território seu, das rãs também, embora poucas, quase inaudíveis no concerto da noite. faz-se pequeno o meu mundo. diminui para a ínfima parte do meu ser. tudo é tão magnífico no Verão, todas as coisas tão poderosas que a minha imaginação fica tolhida nas possibilidades infinitas de tudo suceder, ou nada, nas tardes quentes e caladas de um silêncio humano agigantado pelo desvario dos insectos, borboletas no fresco da manhã, gafanhotos ébrios, louva-a-deus, moscas e moscardos, abelhas e vespas. e acima de todos os zumbidos o canto áspero das cigarras, hipnotizante, irreverente, dominando sobre todas as coisas vivas e estivais.

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