12.8.24

Em todos os sentidos

Quando achares a beleza, pára o teu coração e não faças mais nada. Deixa-te morrer por momentos enquanto a olhas, enquanto a ouves, a bebes ou a tocas.

Eu confesso que sou caçadora de momentos. É como sentir no peito uma caixinha de música ou como sair de si para ser parte da beleza.

E, sabes, daria o meu olho miope para encontrar a beleza que só tu reúnes, em todos os sentidos.

Meu amor, tu nos meus sentidos... seria a maior beleza pelo universo consentida.

11.8.24

Namoro

Dois dedos de conversa, ele casualmente passa, como os namorados de antes, olha e confirma

Ela pura e casta, roliça e franca não se recusa

Ele gajeiro e forte, com fogo nos olhos, mira nos seios o corpo de enfusa

Na lua um ramalhete seco e algum silêncio de malha, bordados ainda a pairar nos dedos

Entre duas gargalhadas, carícias que tolhem o corpo, trepadeiras finas os dedos que passam

E como os seus olhos chamam a chama da tarde

E como ela se faz inocente, mas prega a fundo os olhos nele

Lembras, numa outra existência?

O namoro à antiga, eu e tu, à sombra das tílias, um leve roçar do braço, a saia a esvoaçar na tarde que finda

E a fina filigrama de uma carícia que arrepia

Por fim, um saboroso beijo que sela a promessa e termina o dia

8.8.24

O ato

Se fosse o peso era pesado, se fosse a pressa era só prazo, se fosse leve era leveza, se fosse  fundo era pausado

Se fosse oculto era pulsão, se conversado era sentido, se combinado era sonhado, se adiado era pena, se recusado era pecado

7.8.24

Alturas

Alcançar a árvore mais alta, com o mais alto voo de águia

Ficar nela sem jamais descer aos baixios podres da terra

Guardar nas penas outras penas que um dia serão leves

Como o cair da ave sobre a neve e o seu eterno sono breve

3.8.24

Guardar-te na minha vida

"Põe-me na Líbia ardente ou na Cíntia fria" ¹

Onde nenhuma criatura humana perturbe a paz de te guardar na minha vida

Onde uma onda fresca me invada de ti imerecida


¹ Camões, Lusíadas 

2.8.24

Senti

Sem ti, como repreendo o mundo e apanho o passal para a vida? 

Sei que sem ti sou uma mulher perdida, daquelas que, em farrapos, procuram os seus dias de rainha.

Onde me sento a conjugar a vida? Sem ti, nada me sabe a flores e mel, sem ti, perdi o sal e o sol. Senti.

Sou a queda e não sei cair. Devolvo-me à dor de imaginar quando foi que te perdi.

Ou como foi que me iludi, menina e moça que não sou  com a morte a rir-se de mim.

23.7.24

História Antiga

Varas aguçam a noite, plantadas no ponto alto da sombra, são como soldados ocultos nas fragas das ribeiras, ondeiam, espreitam, vergam os bambus para a lua cheia

É um cenário de murmúreas lendas, diz-se do mouro e da bela branca prisioneira

Cinzentos os cabelos e os olhos vermelhos, ainda tentam passar para o outro lado, a vau, o amor que não puderam ter logrado

Ficaram assim pelo caminho, mortos em vida e sem vida na morte

Mas agarraram a fuga, feriram a maré fria, caíram com as mãos e os corpos de mártires, unidos pelas águas e pelos sentidos

Ainda hoje os buscam, a bela branca e o negro mouro, nas faldas profundas da Ribeira do Fim do Mundo

Em tempos idos era lindo fugir com o amor e vencer o medo, lavrando com o amor o feio mundo

Hoje o amor não move como movia a aventurosa ébria melodia 

Mal de amor

Era uma igreja fresca como só os lugares de pedras milenares são 

Frescas, mudas e com tempo, as pedras partem do chão 

Continuam nos arcos de volta inteira, nas abóbodas completas, atentas como orelhas

E ouviram-me por certo chorar por dentro e pedir silêncio a todas as seráficas figuras de santos, anjos e curandeiras

O meu mal de amor não tem lugar nem fronteiras

Nasceu-me cedo e ficará a vida inteira

22.7.24

Árvores

Árvores caladas conjugais, clorófilas por natureza, contidas no osso forte do seu tronco

Só vejo isso e não vejo pouco

Como elas, gostava de saber que é assim que somos

Uma intemporal massa verde nascida do lodo

Luvas

Estendo a minha mão levemente enluvada

Para que tires o botão e beijes (demoradamente) as veias enlutadas deste punho

Louco por ti, forte para ti


 

21.7.24

Does it matter?

Is it important for you that flowers flourish

in random, so that

sun spreads fire in your silk skin

So softly that the wind

make tender curls in your hair

So tenderly

That some lost woman open her heart to the deep earth and 

Pull out gold, sand, love, living imagery?

I regret to say that used to be me, 

now buried in sadness in the most dry sand mill

Will you take some pain over my hair, I just have this waven hand to report alive

To the other lost people finding his path to surface where we can flee high

5.7.24

Daguerrotópico

O retrato está na parede (vazia), demasiado perfeito para ser verdade

Os retratos já são a morte a olhar-nos, a morte do rosto, a morte do momento

E depois, antes da luz havia a câmara escura e o mistério do rosto 

Amamos por dentro sem a luz dos olhos, buscamos um rosto na câmara escura

Perdemo-nos quando nos encontramos, nus, cegos, dentro de uma redoma barata

Fomos atravessados por dentro num violento golpe do olhar alheio

E, assim, profanados e inseguros, ansiamos e receamos que a imagem exposta seja um perfeito daguerrótipo

4.7.24

Código

Estou a estudar a linguagem única do amor.

Um código exclusivo que nasce nos olhos, passa pela boca e termina nos lábios. Um laço de palavras e uma flor.

Poesia, vinho, riso e a música das mãos. Deve ser esta a linguagem do amor.

Dizer-me-te

Não é muito natural esta dança, quando chegas

Leve leveza esta de
dizer-me

Leve lume
de luz intensa
esta de dizer-me-te

Tenho, porém, muita pena 

Trago novos passos para te mostrar

Tenho pena que não os vejas

A ti ainda não te disse algumas coisas. Por exemplo, sabias que sonhei contigo há duas noites?

Vinhas com a voz contida num discreto diapasão e eu com uma harpa tonta na garganta

Foi tudo tão casual como os encontros dos bichos da terra

Um toque de antenas e um choque de pôr o coração à porta do hospital

Por favor, tenho de pedir-te que não voltes aos meus sonhos sem ser para ficares a noite inteira


3.7.24

Forget it, Jake. It's Chinatown


So, you should never wait for love, baby. You live in Chinatown and I'm not there anymore. Forget it. There is no love in Chinatown, Jake.


Em memória de um grande argumentista hoje desaparecido, Robert Towne.

2.7.24

Livro da esperança


Desfolhas o livro pela mão de Cristo ou Satanás e feres a vista na laboriosa letra da esperança

Mas a fé profana o texto, com os caminhos avessos que tiveste de folhear

E a páginas tantas o livro muda e mudo fica o seu dizer 

Escolhes voltar ao princípio, quando a letra ainda dava para esse pátio em flores que  tens no peito

E peregrinas de novo pelo livro que terás contigo à cabeceira e lerás até ao fim

A inverdade da existência

Repara, é a morte crescente, o peso dos minutos que queres preencher

Podes iludir a existência 

Mas é ela que te ilude a ti

O tempo é liso e demorado e existem tantas fugas, tantas mentiras, até ao fundo do que vês

Mas a pulsão é inversa ao que esperas viver, esperando por aquilo que virá, talvez


1.7.24

Se existes, também existo

Estou comigo e é comigo que estou. Falo-me e não digo nada. Canso-me de mim todos os dias. Exausto-me à noite.

Esta ciência da solidão pesa mais do que parece. Mede-se numa proveta de silêncios. Podemos até ficar admirados por existirmos.

Se me ouves, talvez me entendas. Se me entendes, bem podias rasgar a noite imensa subindo ao cume da voz, ao cicio do segredo.

Confirma. Eu existo porque tu existes? Eu existo mesmo que não existas? 

Preciso de ti, percebes? Como a árvore espera o vento para poder alisar os ramos.

Estendendo a outra árvore os seus beijos.

Quem sou

Eu gostava de ser outra e ter a graça da garça e o papaguear do papagaio. Gente haveria que me queria para amar, como se ama um louco que perdeu a idade. Seria suave como um chorão sem chegar a chorar. A brisa seria o brejo de todos os deleites e sem qualquer esforço eu conseguia voar.

Mas não sou outra e quem sou é pedra calcinada ou uma espécie de sargaço que o sol castigou. 

E não quero mais metáforas tontas nos meus versos. Pronto. É assim que sou. A desejar o que não sou.


Solidão

A espuma de uma onda a desfazer-se em bolhas, a minerar a areia

Bolhas de ar como minutos que rebentam um a um

Enquanto o relógio atarda tudo e o mundo é mudo

27.6.24

Trovoada

É o apagamento, um quase luto. Por um instante, a vida no alto do mundo, algodão puro

E eu penso, Todo o nevoeiro é plasma das almas

Eu juro que as suas vestes alvas embalam a chuva. E sei que a chuva vem por nós, chove como linho, suave renda, chora como o mundo devia chorar nesta noite lamacenta

Depois vejo, sob a chuva de névoa, as portas do céu alagadas e anjos dentro

Piedosas mãos espalham, sopram as nuvens, secam, colhem aves nuas

Com o trovão na garganta a querer sair, aguda forma rasga o céu de um fogo vivo 

Esbraceja a tempestade e de negro se veste o dia,

Meu amor, a chuva sempre foi o manto e nós a terra em sede

Na voz forte d fogo, a profecia. Parece tarde para nós, parece tão tarde, nós, a quem a chuva sempre unia 

26.6.24

As pedras

Olha as pedras, como são sábias.

Algumas macias, outras argutas. Pedras dementes, proeminentes.

Fazem um passeio tosco ou elegante as pedras.

Fazem caminhos áridos onde só anda quem nada sente.

Pedras de arremesso, quem as esconde?

A mineralogia não é a minha ciência, mas gostava de alisar as pedras que ferem os pés do caminhante.

As pedras macias e quentes são as que procuro, no mar e na terra.

Pedras macias na minha pele, um toque doce quase afago

Essas são as pedras que eu trago

Fecho éclair

 Já fui,

Tudo já foi

Mesmo o que ficou é ido

Não me busques aqui nem em qualquer lugar

Quem quer que encontres já não sou eu

Porque já fui

O que quis ser passou

Estarei em qualquer afago da brisa, na cortina que se agita, no bater síncrono dos corações resistentes

Cearas, montes e rios são doravante os meus limites

Mas fecha a porta.

Que ninguém mais se lembre que existes


24.6.24

Dísticos


Não te esforces mais pelo velho ramo da árvore podre

Se o vento a leva para longe, se ela te foge, deixa

Não alcances quem se afoga no seu próprio elemento

Tu és a árvore frondosa da manhã e a tua sombra é fresca

Não queiras o rio estreito, com margens calcinadas

Busca antes o amplo dorso da terra alta iluminada

20.6.24

Auto-retrato

não há flores a florir no meu corpo, nem ouro falso

meus dedos foram pianos mudos, meus seios serenos mudam 

e os braços remos que rasam a terra, escavando, podando o mundo

trago amor no regaço, aceso e puro como um regato

em tudo o mais tenha a idade das estrelas e a precisão dos astros

mas o amor... não o acho

solstício

Longa cabeleira de astro, rosto ardente, lisa a luz que banha o corpo e baila nele, nas nervuras rubras do universo

17.6.24

Seda e linha

Os meus dedos seda e linha cosem os teus olhos com doçura. Baixas, as pálpebras sentem os fechados sons na noite 

Trazem um indeterminado risco de luz muito silente

Em que certas palavras e gestos são uma cisão (quase) demente, no cenário de noites idas, as que nos trespassa(v)m os seios os membros, os ombros e os sentidos

E eu coso com os meus dedos o mundo possível, os medos, a fome, a alma bruta dos esquecidos

Mas coso o nosso mundo como se arma a casa de um botão, que entra e sai no peito destemido


Plétora de luz

Abro uma janela para ti, na rua projetada ao bairro escuro, onde a sarjeta regorgita as nódoas do último verão

As folhas de um outono lodacento

esmagadas pelos passos (cegos) de quem vai e volta, vai e volta, sempre na mesma direção 

Sabe a sal a chuva urbana para os que vêm e vão 

Eu, sentada numa repartição, à espera, à espera, e és tu que chamo, em fuga, em fuga, para onde os sonhos vão 

A vida, a vida, sabes, desarma o sonho, não te inclui sempre, nem sequer me inclui a mim

Como na repartição, esperamos a nossa vez e, na espera, contemplamos o tempo, essa página

Que abre o meu peito para ti, onde cabes, onde sempre coubeste, onde a espera, de tanta, até se esquece

A vida, sabes, tem muitas repartições. Mas nenhuma parte claramente aberta 

Que nos entre para sempre o ser sonhado, 'para sempre' sendo a parte mais incerta

Vamos e voltamos, e se abrimos o sonho é porque temos uma asa aberta e um caminho que (ainda) nos espera

15.6.24

Solidão


Solidão é saber que o teu grito cedeu ao sair

Um tocano na garganta, presa voz da presa vida

Imagina hoje o grito e desenha a tua voz no infinito

Solidão é ninguém, nem tu, perceberes que és o risco no impávido vidro

30.5.24

Fio de luz

Sabes? Às vezes, quando fecho a luz de todas as fontes, fica um fio de água acesa, com o seu tímido rumor de gente.

Será fuga será dor? Água não é certamente, é o amor que sopra assim.

Às vezes, a natureza morta vive destas fontes que só o ser vê que só o outro sente.

28.5.24

Metade lunar

Conto pelos dias os nós dos dedos 

Tempos passados nos levaram cedo e fomos

A metade lunar, a meta da luz, o mel mágico e a mágica flor

Nos altos lumes onde nos arde o mesmo amor

10.3.24

Erva

Os meus olhos gelaram na terra fria, ventou demais onde estivemos, secaram-me os olhos, meu amor, palavras brasas antes agora cinzas.

Que posso fazer por ti, minha alma, que não fizera já? Rosas e rosários desfolhados em teu louvor, roubados arroubos de uma vida cega, onde ainda sangue que cresça erva?

8.1.24

Again

Ando pela vida com ligeireza, com a mesma desatenção com que largo os sapatos do dia, à entrada dos meus pés e again,

Na casa, em casa, numa casa qualquer, entro e depois não sei sair. Dispo-me devagar no soalho, deito a minha pele como cera, e aliso o brilho dos olhos nesse temporal e, olha,

Não me digam, pessoas, olha ali estão elas, again! não as conheço com os seus laços e lenços sem luz,  nem enamoradas afeições e até

Na rua, fecho-me em parêntesis retos como vidros à prova do olhar, para não me captarem a dor dos passeios enlameados e sei

Se entranço o sonho e me ponho a dançar, receio gostar tanto (de ti) again que, depois, não possa parar

Ah, as enamoradas afeições que nos faziam tremer em cada carta! Sou a sombra exata do fim do amor, letras apagadas, destroçadas, sem sabor

14.12.23

Chamas

Estive dentro da chama. Depois fui a própria chama. Ardemos como duas brasas vivas num lume astral.

Agora, estrela arrefecida, já não me chamas. Mas uma palavra tua e, afinal, a minha chama será tua. 

Suavidade

Suavidade. Sinto o conforto, a lisura das emoções, o precalço de tropeçar nos teus olhos, num abraço longo de silenciosa paixão. Suavidade. Como ficamos depois de calçarmos devagar o amor. 

A suavidade que me dás envolve todo o meu ser. 

Se a vida nos venceu, que nos não vença o amor. 

Prometo amar-te à margem do  tempo, se tempo tiver para tanto.


Escalas de tempo

Eram tantos lírios a riscar os céus, quando os meus olhos sentiam os teus

Eram tantas estrelas sibilantes, tanta emoção dentro de cada instante

Foi a noite mais ampla de tempo e o amor vibrou de vida em amplas escalas de suave, suavíssimo luar imenso

18.11.23

Planagem

Os poemas planam pelas águas deste rio, são anjos sem cair e falam-me com voz de água, contam-me de ti

As coisas ditas, lavadas, estendidas ao sol, são sinais que deixamos de uma passagem feliz por amor, pés na relva, braços fortes de ser, munidos de um olhar que diz, frugalmente, o que falta dizer

Os poemas planam, sem dono, podem ser ditos por bocas loucas, incertas como nós, mas nunca outros saberão como fomos

Meu amor, deixa-os planar como seja, como for. O céu sideral é o destino das nossas almas, talhadas parar o intenso querer


11.11.23

Atalhos

A vida que escolhemos é a vida que temos. Nunca hesites entre o abismo e o chão atapetado. Atira-te pela amurada mais alta. Chegas inteiro ao outro lado. O tapete que tanto aprecias, com amor, não te faz falta



5.11.23

Voar sem sentido

Escrever é como pousar o olhar entre as aves e imaginar para onde vão. Leva-nos a vontade de dizer, sem saber o quê, tal como elas voam sem saber que intenção o voo tem.

Escrevo assim contida, num exato ritual de quem está viva e se aviva em mais um voo intransitivo.

Escrever é pensar no risco, na marca, no tempo e no verbo existo.

Alguém saberá por que escreve. Eu não percebo nada disso. Sei apenas que me assinalo no mapa dos seres alalados, tão proximamente vivo do teu lado.


Sobressalto


Quando o dia se abre ao mundo, as aves incertas a fluir, um vento leve calado, buscamos o Sol, no seu imutável lado, e sabemos que estamos vivos, prontos para viver em sobressalto o tempo que nos é devido.

1.11.23

Fumo do tempo

Se te escrevesse uma carta, era capaz de não me chegar todo o papel que já deixei em branco

Se te escrevesse uma carta diria, logo no início, antes que o papel me faltasse, que a poesia é fumo do tempo

Massa gasosa indo por esse céu aberto, para o jardim das rosas, campo raso, onde já não é preciso semear palavras, 

Nessa altura, saberás que o amor puro e decantado floresce em cada flor, na mais pura expressão da ida idade

Se eu te escrevesse uma carta acabá-la-ia com a palavra eterna e muda da poesia que fizemos, mesmo não dizendo nada


25.10.23

Flores lunares

Hoje está Lua cheia, Lua de namorados que se declaram pelo brilho do olhar. Todos os namorados trazem a Lua nos olhos, mesmo que não saibam. Decoram-se com flores lunares, elevam-se ao estado da eterna felicidade.

Mas não sabem, pois não? Não lhes digas, deixa-os prender o dia, colar nos olhos o momento.

Hoje está Lua cheia à chuva e eu lembrei-me de ti. Os dias de outubro trazem um halo de vapor perfumado, como se o encanto fosse e tivesse sido sempre assim. Desejo na bruma, névoa de desejo e a luz do encanto.

Não lhes digas, eles não sabem que um simples ponto no tempo pode cristalizar as suas vidas para sempre.


23.10.23

A água suja do mundo

A chuva rooeu os dias e os dias roeram as pedras da rua, desanimadamente espalhadas no que foi a pele perfeita das multidões 

Tal como o mundo roeu por dentro a alegria dos homens, deixando nos nossos olhos o ruído lento da chuva, nós também fomos corroídos pela água ácida do mundo

Eu sei que tu permaneces no limbo das coisas, sei-o, porque está escrito na orla da atmosfera, para lá de todas as cores que resistem

Sabê-lo é suave, é como beber águas limpas, é quase sentir que há algo na razão da vida que no-la devolve com gosto

Ultimamente não acredito muito em nada, nem sequer na candura das pombas, 

Tudo me demonstra a inútil reserva do tempo 


E, sem ti, sofro a minha insuportável presença inutilmente

10.10.23

Tanto

Tanto, tanto a dizer, com lareira ou lenha fria, mosaico ou lambrim, tanto, tanto  tanto sorriso quente, tanta ternura a aquecer

Penso na inclinação do corpo e é como sentar na tua a solidão que é minha e sempre balanço só

Quero ser o cadeirão e a noite, ouvir o crepitar do teu lume, soprar as cinzas do coração e talvez, talvez, adormecer com o sopro suavíssimo da tua voz


dessa noite que balanças, 

Ouço danço dentro

Não ainda, nem sempre, por vezes vejo, ouço, danço dentro

Se te vejo, amo o teu rosto como um pôr de sol de tinta fresca

Nem ainda fui nem já irei, agora que nada espero, vou e ficarei

Nos teus olhos, tinta fresca, a estrada escura, este caminho cumprido sem fé até ao fim

5.10.23

Delicate

You are so kind as a dafudill growing against harvest

You are delicate, as you pass your hands in the emptiness

And feel like me, how roses and words our hearts fill of happiness

3.10.23

Ainda

Ainda sei o nome das coisas pela ordem que as punha. Era o amor apunhalado de paixão, um passo inseguro num piso de sangue às vezes luz, prestes a ser e a eclodir, talvez nos olhos, talvez nas mãos, talvez o toque da vista, o avistamento do astro que nos atrai, era tudo tão possível que doía a dor e vibrava no seu marasmo a terra.

Foi tudo tão perto e tão possível, que ainda nomeio as palavras pela ordem que as punha. E quando os olhos se encontram, vivo anos-luz de suspensão.

Essa é a memória do que se fez memória por não poder ser.

Recentemente...

Não consigo viver mais dias. Já são tantos e tão inúteis. Preparo lentamente a minha fuga, a maior de sempre. Será rápida e ninguém dará por...

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